Um
palco-tela para a imaginação infantil
Há pelo menos duas maneiras
de se olhar para o espetáculo #Mergulho,
dirigido por Max Reinert, do Eranos Círculo de Arte, de Itajaí. Do ponto de
vista das crianças, público ao qual se direciona o trabalho. E do ponto de
vista dos adultos, o que transforma as crianças em performers de uma cena que
as engloba. Vamos ao primeiro.
O subtítulo propõe uma
experiência teatral para os pequenos. Já aponta para fora do palco tradicional
onde atuadores costumam encenar fábulas infantis. A experiência aqui é de um
teatro tecnológico, onde os personagens interagem mais com projeções digitais
de luz do que entre si. Em tempos ultraconectados, quando não raro crianças de
dois anos já têm acesso livre a tablets e quetais, a proposta para espectadores
de até seis anos de idade é colocar o humano diante da máquina e resgatar
alguma magia dessa relação cada vez mais operativa e automática.
As imagens projetadas
estimulam aos poucos a imaginação das crianças, desde a menção ao teatro de
sombras, que estaria na origem do tipo de linguagem desenvolvida pelo grupo,
até a imersão do humano no espaço virtual. O convívio reduzido entre o ator
Leandro Maman e a atriz Sandra Coelho dá lugar à relação direta de cada um deles
com a pequena plateia, parceira de cena convocada como testemunha e ajudante na
aventura do encontro entre um homem da terra e uma mulher do mar. A
simplicidade da história permite que seja acompanhada por todos, desde os mais
novos, como uma brincadeira que se brinca junto.
Na apresentação realizada no
IV Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha, as crianças embarcaram na ilusão e
participaram entusiasmadamente de cada ação que lhes era solicitada – ou mesmo
das que não. A espontaneidade das respostas de uma faixa etária tão nova
acomoda-se bem à encenação na medida em que os atores mantêm a proximidade
física e a conversa aberta. É curioso como o palco-tela prontamente remete à
tecnologia touch e as crianças não se demoram em tentar acioná-lo com as mãos, impulso
que os atores conduzem para falsear uma interatividade na verdade programada,
mas que serve à estimulação da fantasia.
Eis um bom lugar para a
tecnologia na vida desses meninos e meninas. Como um mundo lúdico que liberte a
criatividade e a imaginação, permita desbravar outros territórios, sem
prejudicar o convívio humano, a capacidade de escuta e de leitura, a atenção ao
concreto e ao presente, que já desafiam as novas gerações como consequências de
mudanças perceptivas que, ao menor descuido, são capazes tanto de abrir quanto
de fechar mundos.
Outra perspectiva é a que se tem da plateia
adulta, situada em cadeiras mais distantes do palco cercado pelas crianças.
Estas tornam-se performers involuntárias às quais se assiste com mais interesse
do que à fábula em si, atento às reações e espontaneidade que tecem uma camada
poética e cômica extra. Numa sociedade em que a infância está restrita a
territórios específicos e nem o espaço público nem o mercado de trabalho têm
preparo para um convívio mais livre entre todas as idades, assistir às crianças
brincando de teatro reaproxima o espectador de sua experiência de infância e de
uma ludicidade que não deveriam ser esquecidas, mas também pode investi-lo da
noção de comunidade apta a cuidar dos caminhos daqueles que há pouco chegaram
no mundo e não são responsabilidade só de pai e mãe.
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