Plasticidade captura o olhar para a miséria humana

“A Pereira...” é um espetáculo de rua
que se aproxima do imaginário de Ariano Suassuna e de ideias do paraibano para
o movimento armorial, tais como a encenação ao ar livre, pela oralidade, de uma
narrativa em versos e cantos sobre personagens míticos trajando figurinos
imponentes feitos de farrapos. Outra associação possível é com o cruzamento de
erudito e popular presente nos trabalhos do Grupo Galpão, com quem partilha
ainda características como o uso da perna de pau.
O recurso insere-se como um prolongamento
dos corpos dos atores a conferir-lhes estatura irreal e um desafio constante a
cada movimento, fundamentais para constituir o aspecto onírico da fábula. Além
das pernas-de-pau, os atores portam uma espécie de bonecos-bengalas de uma
perna só, ampliando ainda mais as possibilidades do corpo humano desenhar no
espaço formas fantasiosas que apelem à imaginação.
Sob a simplicidade demandada pelo
espaço da rua, a cena arma-se com impressionante senso plástico para conferir
beleza a um contexto de pobreza; sem fazer da estetização uma operação
higienizadora, mas, ao contrário, como uma forma de capturar o olhar para onde
tantas vezes se devia.
O cenário resume-se à estrutura de uma
árvore, feita de escada, guarda-chuvas e frutas de tecido, ambos de textura
esburacada, solução altamente expressiva nos campos imagético e semiótico.
Também os figurinos, especialmente o de tia Miséria, mostram a riqueza do
acúmulo de camadas com distintas cores e texturas de materiais desvalorizados.
São as fontes de encanto visual para um espetáculo que se volta à crítica
social, embora apresente um universo mágico, mantendo certo distanciamento – e
tom de frieza – em relação ao espectador, convocado a traçar as relações entre
a alegoria da cena e a realidade ao redor.
“A Pereira...” adapta um conto popular
espanhol de mesmo nome, centrado na alegoria de um embate entre a miséria e a
morte, que afirma a perpetuação da primeira e a necessidade, apesar de tudo, da
última. A potência dos diálogos está na construção poética em frases rimadas,
por vezes cantadas, das quais se colhe aforismos cheios de lirismo e
contundência social, como “a miséria abriga sempre aquele a que toda a gente
angustia” – constatação da exclusão.

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