Remando
contra a maré
Diante
da “experiência teatral para crianças”, assim definida pelo coletivo atuante há
cinco anos em Itajaí, o adulto sentado à margem nas cadeiras que abraçam a cena
em formato de “U” – público e atores compartilham o palco – vê frestas para um
terceiro teatro a partir da criação do Eranos Círculo de Arte e da recepção que
a gente miúda imagina e concretiza inserida numa jornada sensorial e visual.
Observar
as crianças de 4 a 6 anos estimula rebobinar o filme da vida ao início. Elas
lançam espontaneamente uma zona de liberdade reativa num trabalho com um quê de
instalação plástica e táctil desenhada por projeções. Os graus de autonomia dos
seres em formação dão indícios da mulher e do homem que virão. O espectador
adulto tem a chance, então, de sondar os estados primais da construção do seu
olhar para a cena, de sua relação com as artes cênicas.
Se
não reteve memórias dessa transição ou o contato com o teatro se deu na
adolescência, quem sabe na vida adulta, subsiste a ancora da emoção de lidar
com a criança que carrega dentro de si. Cavoucá-la, se for o caso, e projetá-la
nas atitudes, nos impulsos, nas sinapses que só uma plateia mirim é capaz de
suscitar, independente das origens sociais e raciais – loirinhos do colégio
particular vizinho ao teatro na sessão da tarde acompanhada.
Leandro
Maman e Sandra Coelho são os atores-narradores de #Mergulho. Tudo que se conta é casado à visualidade como ação
disparadora ou colateral ao fiapo de eixo: um homem e uma mulher, ele com
raízes na terra, ela nas profundezas do mar, um dia hão de se encontrar. A
primeira parte é conduzida por Maman e a segunda, por Sandra. Nos dois casos, a
atuação é guiada pelas animações digitalmente projetadas num painel ao fundo e
principalmente no chão. Figuras como a tartaruga, o tubarão, o peixe e as
próprias ondas do mar azul excitam o imaginário e a participação infantil
instintiva, desde já negociando seus medos e fantasias com a brincadeira de
representar, inventar, intervir até.
A
experiência dura cerca de meia hora. Nesse período, os atores tentam preservar
também o seu território de atuação, evitando controles didáticos ou
comportamentais. Nas entrelinhas, Maman e Sandra ainda espelham o cuidado e a
responsabilidade. Mas a porosidade enquanto artistas da cena/em cena pode vir
mais solta, irradiar ludicidade nas fisionomias por vezes preocupadas dos
condutores. Compreende-se, por outro lado, o tamanho do desafio de narrar
nessas circunstâncias em que o descontrole parece iminente, mesmo nos momentos
banhados em lirismo e poesia espaciais com na pororoca dos bracinhos remando em
coro.
O
teatro para criança ou adolescência tem sido infestado por espetáculos que se
dizem pautados em questões ambientais e chafurdam nos discursos superficiais,
relegando as vibrações artísticas a décimo plano. O diretor Max Reinert e a
dupla de atores do Eranos imprimem escolhas inequivocamente estéticas e dão
asas a uma linguagem que tem merecido tratamento à altura por núcleos de
pesquisa como o Grupo Sobrevento (São Paulo) e a Compañía La Casa Incierta
(Espanha).
Quem
não subjuga a inteligência do público nos primeiros passos relacionais – não
por acaso, a dramaturgia colaborativa foi aprumada no contato direto com alunos
e professores de escolas públicas – guarda muita sensibilidade, ousadia e
disposição para vida longa.
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