Uma
reverência às várias faces de um fingidor

O veterano ator, pioneiro
formador do teatro itajaiense, reverencia a poesia e a personalidade de Pessoa
e seus heterônimos. Centrado nos versos, o espetáculo afasta-se do formato
recital para investir na interpretação – tantos da palavra poética quanto dos
personagens Fernando, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro. Desse
modo, sustenta-se nas convenções teatrais e num registro de representação
mimético, encaixado na forma dramática tradicional, embora tensionada pelo
lirismo literário.
A construção do(s)
personagem(ns) faz-se sobretudo pela imitação cuidadosa do sotaque português e
pela corporeidade austera de um senhor do século passado. Apesar da opção
mimética, o Pessoa de Valentim personifica uma figura distinta do imaginário
comum produzido pelos registros que se tem do poeta, morto precocemente aos 47
anos. Um homem mais maduro – nesse sentido, talvez, misto das idades de seus
heterônimos e da pessoa de Valentim –, de modos cerimoniosos, cujas
alternâncias de personalidade são marcadas por variações no figurino e de
tonalidade do humor, mantendo sempre um tom passadista, acentuado pela
construção do espaço cênico como uma síntese realista do gabinete do escritor.
A ação é reduzida, visto que
prevalece a alusão pela palavra – é desta que hão de vir as imagens impregnadas
nos poemas, pelo apelo à razão e à emoção. Valentim prima pelo bem dizer do
texto, transformando versos líricos ou narrativos em monólogos e diálogos
dramáticos, com uma forte carga interpretativa acompanhada do certo didatismo, não
somente nas apresentações dos heterônimos, mas também nas entonações explicativas
e ilustrativas dos significados expressos pelas palavras. A direção econômica
de Rafael Orsi de Melo deixa espaço para a centralidade da atuação; e rege todo
o espetáculo uma lógica ilustrativa, pela qual as camadas expressivas
reiteram-se, especialmente notável na gestualidade e na entonação do ator tanto
quanto na música de fundo.
Por vezes, sente-se também a
literalidade na interpretação de alguns versos cujos sentidos deslizam ambíguos
numa leitura subjetiva. A ironia presente em poemas como “Todas as cartas de
amor são ridículas” é substituída então por uma dramatização enfática, exaltada.
Num escrito como o “Poema em linha reta (“Nunca conheci quem tivesse levado
porrada”....), esta voltagem representativa encontra o tom para conferir
fragilidade àquele homem em cena. As personalidades dos heterônimos misturam-se
aos poemas, interferindo em suas tonalidades. Álvaro de Campos talvez seja o
mais afetado por essa operação, pois que a acidez sagaz de seu olhar sobre o
mundo recobre-se do mau-humor que o caracteriza como personagem.

Representar um sujeito com a
genialidade expressiva de Fernando Pessoa costuma colocar atores de uma
vertente mais clássica em posição de reverência. Não é diferente em “A Pessoa
de Minha Pessoa”. A liberdade de apropriação e reinvenção vai a contrapelo da deferência;
enquanto esta define as fronteiras de uma representação de anseios realistas.
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