quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Critica - #Mergulho por Valmir Santos

Remando contra a maré

Diante da “experiência teatral para crianças”, assim definida pelo coletivo atuante há cinco anos em Itajaí, o adulto sentado à margem nas cadeiras que abraçam a cena em formato de “U” – público e atores compartilham o palco – vê frestas para um terceiro teatro a partir da criação do Eranos Círculo de Arte e da recepção que a gente miúda imagina e concretiza inserida numa jornada sensorial e visual.

Observar as crianças de 4 a 6 anos estimula rebobinar o filme da vida ao início. Elas lançam espontaneamente uma zona de liberdade reativa num trabalho com um quê de instalação plástica e táctil desenhada por projeções. Os graus de autonomia dos seres em formação dão indícios da mulher e do homem que virão. O espectador adulto tem a chance, então, de sondar os estados primais da construção do seu olhar para a cena, de sua relação com as artes cênicas.

Se não reteve memórias dessa transição ou o contato com o teatro se deu na adolescência, quem sabe na vida adulta, subsiste a ancora da emoção de lidar com a criança que carrega dentro de si. Cavoucá-la, se for o caso, e projetá-la nas atitudes, nos impulsos, nas sinapses que só uma plateia mirim é capaz de suscitar, independente das origens sociais e raciais – loirinhos do colégio particular vizinho ao teatro na sessão da tarde acompanhada.

Leandro Maman e Sandra Coelho são os atores-narradores de #Mergulho. Tudo que se conta é casado à visualidade como ação disparadora ou colateral ao fiapo de eixo: um homem e uma mulher, ele com raízes na terra, ela nas profundezas do mar, um dia hão de se encontrar. A primeira parte é conduzida por Maman e a segunda, por Sandra. Nos dois casos, a atuação é guiada pelas animações digitalmente projetadas num painel ao fundo e principalmente no chão. Figuras como a tartaruga, o tubarão, o peixe e as próprias ondas do mar azul excitam o imaginário e a participação infantil instintiva, desde já negociando seus medos e fantasias com a brincadeira de representar, inventar, intervir até.

A experiência dura cerca de meia hora. Nesse período, os atores tentam preservar também o seu território de atuação, evitando controles didáticos ou comportamentais. Nas entrelinhas, Maman e Sandra ainda espelham o cuidado e a responsabilidade. Mas a porosidade enquanto artistas da cena/em cena pode vir mais solta, irradiar ludicidade nas fisionomias por vezes preocupadas dos condutores. Compreende-se, por outro lado, o tamanho do desafio de narrar nessas circunstâncias em que o descontrole parece iminente, mesmo nos momentos banhados em lirismo e poesia espaciais com na pororoca dos bracinhos remando em coro.

O teatro para criança ou adolescência tem sido infestado por espetáculos que se dizem pautados em questões ambientais e chafurdam nos discursos superficiais, relegando as vibrações artísticas a décimo plano. O diretor Max Reinert e a dupla de atores do Eranos imprimem escolhas inequivocamente estéticas e dão asas a uma linguagem que tem merecido tratamento à altura por núcleos de pesquisa como o Grupo Sobrevento (São Paulo) e a Compañía La Casa Incierta (Espanha).

Quem não subjuga a inteligência do público nos primeiros passos relacionais – não por acaso, a dramaturgia colaborativa foi aprumada no contato direto com alunos e professores de escolas públicas – guarda muita sensibilidade, ousadia e disposição para vida longa.


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