O jogo cômico entre
palco e plateia
Essa relação não apenas
está presente, mas é a própria substância do espetáculo para crianças
"Trueque", apresentado pelas palhaças Mary En (Enne Marx) e Tantan
(Tamara Floriano), da Cia. Animeé, de Recife, no IV Festival Brasileiro de
Teatro Toni Cunha, em Itajaí. Tanto que as duas artistas dispensam a submissão
a uma fábula organizadora ou mesmo algum fio narrativo que dê unidade à
sequência de ações a serem desempenhadas em triangulação com o público. A dramaturgia
de "Trueque" troca a história pelo jogo, na intersecção do circo com
o teatro, e delega às músicas o quinhão de poeticidade que instaura o estado
artístico. Com isso, faz do espaço somado de palco e plateia um território
lúdico e permeável.
Só é possível que as
afetações transcorram tão livremente entre plateia e palco em razão do grande
carisma das palhaças, que encontram um tom entre a doçura e a marotagem
visivelmente atrativo para as crianças (e para os adultos imbuídos do espírito
infantil, que eram maioria na sessão realizada na cidade catarinense). Tantan e
Mary En funcionam como uma dupla complementar e coesa, que floresce
especialmente nos vocais expressivos da primeira. A cena de apresentação do
nome da palhaça criada por Tamara Floriano é exemplo da potência do uso de
referências musicais para provocar um efeito inesperado e, consequentemente o
riso.
Juntas, então, as duas constroem
uma atmosfera de cumplicidade com o público, encorajando a participação
espontânea dos espectadores desde as menores idades. A naturalidade com que
crianças sobem ao palco atesta que, sob a ação das palhaças, aquele se torna um
terreno amistoso e a arte se aproxima da brincadeira. Para isso, contribui
também o respeito ao tempo de resposta das crianças, não o ritmo acelerado ao
qual nos acostumamos na rotina 24/7 (a expressão é do ensaísta norte-americano
Jonathan Crary), mas uma dinâmica distendida.
Em raros momentos a
dinâmica afrouxa-se como consequência da opção por "abrir mão do fenômeno
cênico" um tanto mais. Ao menos, na visão desta adulta, foi o caso da
sequência de mágicas e da cena que antecede o final, quando um grupo de espectadores
é levado ao palco sem um propósito de ação claro. São momentos que não atingem
a mesma carga criativa, embora sustentem o riso e a prontidão do espectador,
que a esta altura já aderiu completamente ao jogo.
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