Timing is the answer to success.
“Timing”, de Kevin
Johansen[1].
O fator matemático e
o fator humano

Gestada como um jogo matemático de variações – à semelhança
da Teoria dos Muitos Mundos, segundo a qual para situação abrem-se dois mundos
paralelos nos quais cada resultado possível se realiza –, a primeira cena leva
ao extremo a precisão operativa. Marcelo Marquettti, Leandro Magalhães e
Adriano Magalhães cumprem uma espiral de variações bruscas de um diálogo entre
dois desconhecidos num café, com timing perfeito, que acentua o efeito cômico. Somam
ao jogo de linguagem ainda outro com o espectador, concedendo-lhe a escolha dos
gêneros que formarão o casal de personagens, tangenciando uma questão urgente
de direitos humanos. Dessa interação direta dos atores com a plateia vem a
imprecisão, que humaniza a racionalidade rigorosa da comédia arquitetada por
Ives.
A cena sobre a morte de Trotsky repete a presteza da
primeira, acrescida de ironia sobre a história política mundial e de um senso
de absurdo, especialmente ao brincar com a impossibilidade de que um indivíduo
possa ter consciência da perspectiva histórica de seus atos. Por usa vez,
“Palavras...” parece ainda um tanto obscura para o grupo, seja na construção do
ritmo (é o único não estruturado em variações combinatórias), seja por uma
compreensão maior da ácida crítica social contida na fábula sobre a
probabilidade matemática de um grupo de macacos datilógrafos escrever um dia,
por acaso, “Hamlet”.

Música e referências cinematográficas contribuem para
constituir a atmosfera descontraída, assim como a própria energia dos atores,
desde o preâmbulo dançado até as discussões sobre como construir a próxima
cena. Se as fábulas de David Ives ocupam o centro das atenções, as margens são
invadidas pela encenação da encenação, ou seja, pelo compartilhar com o
espectador dos mecanismos e bastidores da construção das cenas escritas pelo
norte-americano – autor também de “A Pele de Vênus”, filmado por Roman Polanski
e montado por Hector Babenco como “Vênus em Visom”.
É recorrente no teatro contemporâneo a cena que se arma em
palco seminu, delimitado por um cercado de espectadores próximos o bastante dos
atores para que haja afetação física direta. No chão, além das marcações,
poucos objetos móveis. O microfone e o computador para operação de som e luz
nos cantos, à vista. “Quase Tudo no Timing” investe nessa configuração – como
também já foi feito pelo grupo Magiluth, do Recife, só para ficar em um exemplo
com traços estéticos em comum, entre os quais certo deboche e a forma aberta de
manejar o espaço cênico.
Chamo a atenção para essa coincidência não enquanto fórmula,
mas, sim, como um tipo de concepção do palco análoga à tela em branco na paiting action. Ou (se a primeira
comparação soar muito restritiva em tempos de hibridismo de linguagens) como um
espaço vazio sobre o qual quase tudo é possível construir. É este o ponto
nevrálgico: o processo de construção exposto ao público em paridade de
importância com a fábula. Valorizar o processo em vez da obra acabada,
mostrar-se fazendo, responde a uma ética antiespetacular do acontecimento
teatral como um fazer coletivo, que desvela escolhas, idiossincrasias e falhas.
Em grande medida, trata-se de uma recusa à ilusão e à
catarse própria da sensibilidade contemporânea. Embora não se possa dizer que a
ilusão seja abolida – ela se reinventa, pois o jogo de improviso e
espontaneidade depende do efeito de real, por vezes representado, tornando
muito mais complexas as noções de realismo e ilusão. Pois é nessa tensão entre
a representação e a presença que trabalham os atores da Sua Companhia. Marcelo
Marquettti, mais identificado a uma atuação representativa; Adriano Magalhães,
ao performer com tônus de presença.

Ainda que essas variações de registro de atuação de algum
modo já estejam inseridas dramaturgicamente, talvez possível elaborá-las mais
conscientemente para reforçarem o jogo do performer com a representação, que parece
ser a matéria mesmo do espetáculo.
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