A
dimensão poética sob o manto da singeleza
Entre
acepções possíveis, “cativar” pode designar encantamento ou sujeição. Esta
passa ao largo. O trabalho da dupla é regido pela libertação do imaginário. O
desafio é tecer uma relação de cumplicidade, como na delicada abordagem de uma
menina da primeira fila que teve sua timidez respeitada e se permitiu interagir,
a ponto de “ressuscitar” elefante.
A
ponderação das diferenças está no princípio da troca. A expressão-título em
espanhol possui larga apropriação no teatro de grupo, como nos processos
artísticos do cinquentenário conjunto dinamarquês Odin Teatret e no brasileiro
e balzaquiano Lume Teatro, de Campinas – este em ações artísticas e aquele em
ações comunitárias e artísticas.
O
manto da singeleza na criação da Animée não oculta a dimensão poética na
construção de sentidos. Recursos da tradição circense como o timming da assim
chamada palhaçaria – o nariz vermelho sutil e os números gregários de mágica,
por exemplo – são evocados em sintonia com a força-motriz da musicalidade.
Tan
Tan concentra as habilidades musicais no canto, no sopro e nas cordas,
recorrendo ao trompete ou ao “mano” ukulele, entre outros instrumentos. Mary En
encarrega-se mais do contato direto com o espectador, buscando a sintonia fina
sem condescendência – porque o instinto da arte do palhaço está em instaurar
ruídos, sempre. Ela também canta e toca a bem bolada engenhoca instrumental que
a certa altura adentra a cena, construída a partir de canos de PVC e outros
materiais – a lembrar os xilofones do grupo mineiro Uakti.
Sucede
em Truque uma dramaturgia aberta à
proatividade do público. Não há estritamente uma história, mas o encadeamento
de quadros. A trupe reivindica e alcança uma simbiose que se dá mais no nível
da predisposição à centelha lúdica contida em qualquer sujeito em formação, não
importa o estágio da vida.
Uma
das passagens mais inspiradas aborda o tabu da morte – tema naturalizado no ambiente
hospitalar e apagado do convívio em casa, na escola ou no trabalho, a não ser
que a “Caetana” dê o ar da graça. O fim e a despedida do bocal do trompete, ou
o “biquinho”, ilustra a química entre as atrizes Enne Marx e Tamara Floriano.
Elas elaboram a morte com o “fio da vida” que cai do teto e a ele é enganchada a
tal pecinha para ascender aos céus. Posam de cerimoniosas, cantarolam e logo
estamos todos rindo da situação hilariante e, como pano de fundo, indicativa da
finitude reservada a todos.
A
apresentação evidenciou a condição ideal de ter o público mais próximo das
atrizes. A distância frontal e a altura do palco pressupõem esforço
multiplicado das palhaças para transpor o vão e atingir a terceira margem junto
com o público.
A
Animée tem oito anos de estrada, é integrada ainda por Nara Menezes, a palhaça Aurhelia,
e compõe com uma quarta atriz, Juliana de Almeida, a Baju, a banda As Levianas,
portanto constituída só de palhaças. Outro braço das ações culturais é a
realização do PalhaçAria – Festival Internacional de Palhaças do Recife, que
vai para a terceira edição.
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